Tuesday, October 24, 2006





Nas ondas suspensas no ar,
voando mais alto que o alto que se pode olhar
Voo mais longe e no longínquo mar que olho,
vejo-te terra remota a pairar
Oh terra de ingratidão, oh chama de solidão,
Oh ingrata inocência amarga do perdão
Perdoo-te todos os momentos em que me fizeste chorar,
não te perdoo por te amar
Não darei condolências pelas sobras de tudo o que foste em vão,
os teus restos mortais
Serão enterrados sob a sombra do meu peito ardente,
nessa câmara penitente que ardeu
Quero ver como o jeito de um olhar
é desfeito num refeito de ar puro e respirar
Renascendo de novo ao sonhar,
com a nova terra que um dia vou conquistar
Quero partir desta pátria onde o meu coração se afogou,
Fugindo antes que me afogue na lembrança que me matou,
Quero como qualquer alguém que vive,
descobrir o amor que tive,
Ser alguém como eu sou...

Sunday, October 08, 2006


Troca-se um olhar de quimera e eis que surge porém, a vontade aguda de viver um outro dia com alguém que traz ondas de esperança a esta praia que é minha. Olho o mar... Na linha distante daquilo que traça o limite, procuro o que quero, encontro o que procuro e acabo por o perder, para querer (no fundo) descobrir que procuro em vão, algo que disforme se assemelha ao tudo que já foi meu e ao nada que nunca foi. Fará sentido que a procura seja perseverante, e, nessa linha tão remota, encontre forças na derrota, bajulando-me de insensatez, às fraquezas da minha vida...
Tudo não passa de uma tarde de outono, em que nós - árvores de folha caduca - libertamos o verão numa aguarela de tons tristes, simplesmente porque a vida é assim, porque temos necessidade de mudar, porque não faria sentido viver de uma outra forma, mesmo que de tão áspero sentimento as nossas folhas fossem sempre as mesmas, seríamos não nós, mas alguém que se assemelha aos outros, aqueles que não têm culpa...

Sunday, October 01, 2006

Ode à (in)certeza do amor

A quantas perguntas teria que responder,
Antes que o tempo te apagasse o coração,
Quantos sonhos deixaria no leito,
Quantos espinhos tiraria do peito,
Para o amor não perder em vão

A quantas torturas teria de sucumbir
Antes que a dor te matasse a permissão
Quantos trilhos andaria sem fim
Quantos labirintos criaria em mim
Para a vida não perder a razão

Pela triste melodia do adeus e ver-me ao largo a partir
Serias a vaga que me leva, seria eu o barco que espera
Mais uma maré para ir

Pela deixa de uma vida curta e um momento de escuridão,
Serias a luz da minha vida, seria eu em ti (e tu despida)
Mais uma chama de ilusão…


Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus...
Chico Buarque